Candidata que perdeu prazo para posse garante novo prazo para apresentação dos documentos
- Rafael Souza
- 28 de jan.
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Introdução
O princípio da publicidade é um dos pilares do Direito Administrativo, garantindo a transparência e a eficácia dos atos administrativos. Em paralelo, o princípio da razoabilidade assegura que a Administração Pública aja de forma proporcional e equilibrada. O recente julgamento pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no âmbito da remessa necessária n.º 1031787-96.2023.4.01.3900, exemplifica a aplicação conjunta desses princípios em um contexto delicado: a convocação de candidatos em concursos públicos após um longo lapso temporal.
Contexto Fático do Caso
O caso envolveu uma candidata aprovada no Concurso Público Nacional da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), regido pelo Edital n.º 01/2019. A homologação do concurso ocorreu em abril de 2020, mas a convocação da candidata foi feita somente em abril de 2023, ou seja, três anos após a homologação.
A convocação foi realizada conforme previsto no edital, por meio de publicação no Diário Oficial da União e envio de e-mail. Contudo, a candidata não tomou ciência da convocação, resultando em sua exclusão do certame. Diante disso, impetrou mandado de segurança alegando que os meios utilizados pela EBSERH não foram suficientes para garantir a comunicação eficaz, dada a longa duração entre a homologação e a convocação.
O juízo de primeira instância concedeu a segurança, determinando que a EBSERH notificasse pessoalmente a candidata, tanto por e-mail quanto por endereço físico, concedendo-lhe um novo prazo para a entrega dos documentos necessários à posse. A sentença foi submetida à remessa necessária, dada a ausência de recurso voluntário.
Razões de Decidir do TRF1
O TRF1, ao analisar o caso, manteve a decisão do juízo de origem, destacando aspectos fundamentais que justificaram a necessidade de convocação pessoal da candidata. O Tribunal fundamentou sua decisão nos seguintes pontos:
Lapso Temporal Significativo: o intervalo de três anos entre a homologação do concurso e a convocação foi considerado um elemento central. O Tribunal ressaltou que, embora seja responsabilidade do candidato acompanhar os atos do certame, um período tão longo relativiza essa obrigação, especialmente quando não há comunicação eficaz.
Publicidade dos Atos Administrativos: a publicidade, além de ser um princípio constitucional, deve ser um instrumento de eficácia administrativa. No caso em análise, os meios adotados pela EBSERH (publicação no Diário Oficial e envio de e-mail) não foram suficientes para atingir a finalidade do ato administrativo, que é garantir que o candidato seja devidamente informado.
Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade: o Tribunal enfatizou que exigir do candidato uma vigilância constante ao longo de anos não é razoável, especialmente em concursos públicos com grandes intervalos entre as etapas. A Administração deve adotar meios proporcionais e eficazes para evitar prejuízos desnecessários aos administrados.
Jurisprudência Consolidada: a decisão foi amparada em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio TRF1, que reconhecem a necessidade de intimação pessoal em casos de longos lapsos temporais. Um dos precedentes citados destaca que a convocação exclusivamente por publicação no Diário Oficial, após considerável intervalo desde a homologação, viola os princípios da publicidade e da razoabilidade.
Resultado do Julgamento
A Sexta Turma do TRF1 decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária. Com isso, manteve-se a determinação para que a EBSERH notificasse a candidata de maneira mais efetiva, garantindo-lhe um novo prazo para a entrega dos documentos e a realização dos exames admissionais. Caso a documentação fosse considerada regular, seria assegurada a posse no cargo de assistente administrativo.
Impacto e Importância do Precedente
O acórdão do TRF1 possui relevância significativa para o Direito Administrativo e para a gestão de concursos públicos no Brasil. Ele reafirma a necessidade de a Administração Pública observar não apenas as disposições formais dos editais, mas também os princípios constitucionais que regem sua atuação.
Especificamente, o precedente contribui para a consolidação de uma interpretação mais humanizada e eficaz da publicidade dos atos administrativos, considerando o impacto real das decisões administrativas sobre os administrados. Em um contexto de concursos públicos, onde muitas vezes há lapsos temporais consideráveis entre etapas, o acórdão destaca a necessidade de um equilíbrio entre o dever do candidato e as obrigações da Administração.
Essa decisão também oferece um importante precedente para candidatos que enfrentarem situações semelhantes, em que a falta de uma comunicação eficaz possa prejudicar o exercício de seus direitos. A postura do Tribunal incentiva uma Administração Pública mais transparente e voltada para a finalidade de seus atos.
Conclusão
O caso julgado pelo TRF1 reafirma que a publicidade e a razoabilidade não são meras formalidades, mas princípios fundamentais que devem guiar a atuação administrativa. Ao exigir uma convocação pessoal em um cenário de longo lapso temporal, o Tribunal não apenas protegeu o direito da candidata, mas também estabeleceu um precedente relevante para a atuação da Administração Pública em concursos futuros.
Rafael Costa de Souza
Advogado especialista em concursos e servidores públicos
OAB/MG 147.808
Mestre em Direito Constitucional - UFMG
Professor Universitário
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