Anulação de Questões em Concurso Público: STJ Reafirma que Efeitos de Decisões Judiciais em Mandados de Segurança Individuais Não se Estendem a Terceiros
- Rafael Souza
- 6 de mai.
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No âmbito do contencioso judicial envolvendo concursos públicos, uma das questões que frequentemente desafiam a doutrina e a jurisprudência diz respeito à possibilidade de extensão dos efeitos de decisões judiciais individuais a terceiros que se encontravam na mesma situação fática, mas que não integraram a lide. Essa discussão foi enfrentada mais uma vez pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo Interno no Recurso em Mandado de Segurança nº 74.142/RJ, julgado pela Segunda Turma, sob relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, com publicação em 15 de abril de 2025.
Neste artigo, analisamos os principais fundamentos do acórdão, sua relação com a jurisprudência consolidada do STJ e os desdobramentos práticos para candidatos e operadores do Direito que atuam na seara dos concursos públicos.
1. Síntese fática e objeto do recurso
O caso em análise envolveu candidato ao concurso público para o cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (CFSD/PMERJ – 2014). O impetrante, embora não tenha ajuizado ação própria para questionar questões da prova objetiva, requereu judicialmente que lhe fossem atribuídos os pontos das questões anuladas em virtude de mandados de segurança impetrados por terceiros, cujas decisões haviam reconhecido a nulidade de determinados itens da prova.
O fundamento central da impetração residia na aplicação do subitem 17.8 do edital, que previa a atribuição de pontuação relativa às questões anuladas a todos os candidatos, desde que a anulação decorresse do julgamento de recurso administrativo. Alegou-se, ainda, a ocorrência de fato superveniente: a sanção da Lei Estadual nº 10.516/2024, que obriga a Administração Pública estadual a estender os efeitos de decisões judiciais que anulem questões de concurso a todos os candidatos, mesmo que proferidas em ações individuais.
O recurso visava, portanto, a reconsideração da decisão denegatória do mandado de segurança, com base tanto na interpretação do edital quanto na suposta eficácia erga omnes das decisões judiciais que beneficiaram terceiros.
2. Fundamentação do acórdão e os limites subjetivos da coisa julgada
A Segunda Turma do STJ negou provimento ao agravo interno, reafirmando que a coisa julgada não se estende a terceiros não participantes da relação processual. Invocando o art. 506 do Código de Processo Civil de 2015, a Corte asseverou:
“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.”
Esse entendimento, já pacificado no âmbito do STJ, decorre da lógica do sistema processual brasileiro, segundo a qual a tutela jurisdicional obtida em mandado de segurança individual somente aproveita à parte que efetivamente demandou o Judiciário. A ampliação de seus efeitos a terceiros violaria o princípio da congruência da sentença e subverteria os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada.
Não se desconhece o teor do edital, que previa a extensão dos pontos em caso de anulação administrativa. Contudo, como bem destacou a Ministra Relatora, o subitem 17.8 do edital tem aplicação restrita aos casos em que a própria banca examinadora, no exercício de autotutela, reconhece a nulidade de questões após análise de recursos administrativos interpostos tempestivamente.
3. Fato superveniente e impossibilidade de sua apreciação pelo STJ
Outro ponto de destaque da decisão foi o tratamento conferido à alegação de fato superveniente: a sanção da Lei Estadual nº 10.516/2024, que obriga a Administração a estender a todos os candidatos os efeitos de decisões judiciais que anulem questões de concurso.
Segundo o recorrente, essa norma autorizaria a atribuição dos pontos independentemente de quem tenha ajuizado a ação. No entanto, o STJ foi enfático ao rejeitar tal argumento, sob o fundamento de que o tema não foi enfrentado pela instância de origem, o que inviabilizaria sua análise em sede recursal, sob pena de indevida supressão de instância.
Esse posicionamento está em consonância com a jurisprudência da Corte Superior, que repele a atuação substitutiva em relação ao juízo de origem e reforça os marcos do sistema recursal estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro.
4. Inexistência de violação ao princípio da isonomia
Ao rechaçar a tese de que a negativa de extensão dos efeitos das decisões violaria o princípio da isonomia, o acórdão consignou que o tratamento diferenciado entre quem ajuizou ação própria e quem permaneceu inerte não afronta a igualdade, mas sim a respeita.
Segundo a Ministra Relatora, a ofensa à isonomia ocorreria se a Administração, ao anular administrativamente uma questão, deixasse de conceder os pontos a todos os candidatos. O mesmo raciocínio não se aplica a decisões judiciais, que possuem limites subjetivos claros e definidos.
Esse entendimento reforça a lógica meritocrática do concurso público, ao mesmo tempo em que preserva a segurança jurídica e o valor da atuação processual diligente e tempestiva.
5. Repercussões práticas da decisão
A decisão em comento tem ampla repercussão prática para o universo dos concursos públicos, especialmente diante da crescente judicialização das etapas dos certames. Dela decorrem importantes lições:
O ajuizamento de ações individuais é imprescindível para resguardar direitos que decorram de ilegalidades na condução do certame;
A mera existência de precedentes favoráveis a outros candidatos não gera, por si só, efeitos vinculantes ou extensivos a terceiros;
A atuação estratégica e tempestiva do advogado é decisiva para evitar a preclusão de direitos e o perecimento de pretensões legítimas.
6. Conclusão
O julgamento do AgInt no RMS 74.142/RJ reafirma a jurisprudência consolidada do STJ no sentido de que a anulação judicial de questões de concurso público, obtida por via de mandado de segurança individual, produz efeitos apenas inter partes, não sendo possível sua extensão a candidatos que não compuseram a relação processual.
Além disso, a decisão afasta a aplicação automática de norma estadual superveniente que contrarie os limites da coisa julgada e destaca a importância de se preservar o devido processo legal, os limites subjetivos da sentença e a segurança jurídica.
📄 Processo: AgInt no RMS 74.142/RJ
👩⚖️ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura
📅 Julgamento: 09/04/2025
📰 Publicação: 15/04/2025
Rafael Costa de Souza
Advogado especialista em concursos públicos
OAB/MG 147.808
Mestre em Direito Constitucional - UFMG
Professor Universitário
Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui a consulta jurídica individualizada.
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