A anulação de questão de concurso pelo Judiciário: Perspectivas atuais, Tema 485 do STF e estratégias processuais
- Rafael Souza

- 1 de dez.
- 25 min de leitura

1. Introdução
A busca pela aprovação em um cargo público representa, na atual conjuntura socioeconômica brasileira, um projeto de vida de longo prazo que demanda renúncias pessoais, investimento financeiro significativo e uma dedicação exaustiva aos estudos. Nesse cenário de alta competitividade, cada décimo na nota final pode ser determinante para definir a nomeação de um candidato ou sua eliminação precoce do certame.
É justamente nesse contexto que surge a relevância jurídica e prática da anulação de questão de concurso pelo judiciário, um tema que, embora controverso, consolidou-se como um mecanismo essencial de controle de legalidade e garantia da isonomia entre os participantes. Não raro, as bancas examinadoras, sobrecarregadas ou tecnicamente equivocadas, cometem falhas que variam desde a cobrança de matérias não previstas no edital até a elaboração de gabaritos contendo erros grosseiros científicos ou jurídicos.
Diante da inércia administrativa em corrigir tais equívocos pela via recursal interna, resta ao candidato socorrer-se da anulação de questão de concurso via judicial, buscando no Estado-Juiz a reparação de um direito líquido e certo violado. O presente artigo acadêmico, elaborado sob a ótica de um escritório com profunda expertise na matéria, visa dissecar as nuances dogmáticas e jurisprudenciais que envolvem esse tipo de demanda, esclarecendo os limites e as possibilidades de intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos das bancas examinadoras.
2. A anulação de questão de concurso pelo Judiciário
A intervenção judicial em concursos públicos não é uma porta aberta para que o magistrado substitua a banca examinadora na avaliação subjetiva dos candidatos, mas sim um intrumento de contenção de arbitrariedades.
A premissa fundamental que rege a anulação de questão de concurso pelo Judiciário é o princípio da inafastabilidade da jurisdição, combinado com os princípios constitucionais da legalidade, da vinculação ao edital e da impessoalidade. Quando uma questão objetiva apresenta vício insanável, sua manutenção no certame contamina a lisura do processo seletivo, ferindo a isonomia, pois a sorte, e não o conhecimento, passaria a ser o fator determinante.
A jurisprudência pátria evoluiu de uma postura de deferência quase absoluta às bancas para uma postura de fiscalização rigorosa da legalidade, entendendo que atos administrativos discricionários (como a escolha do conteúdo de uma prova) encontram limites intransponíveis na lei e no próprio instrumento convocatório.
Portanto, a ação de anulação de questão de concurso mostra-se viável sempre que demonstrada a objetividade do erro cometido pela banca, afastando-se a discricionariedade técnica quando esta se transfigura em arbitrariedade ou ilegalidade manifesta.
3. Tema 485 de Repercussão Geral pelo STF
Para compreender a viabilidade jurídica de uma demanda desta natureza, é imperioso analisar o Tema 485 de Repercussão Geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 632.853. A tese firmada pela Corte Constitucional estabeleceu que não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir a banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Entretanto, a leitura apressada desse enunciado pode levar à conclusão equivocada de que seria impossível a anulação de questão de concurso via judicial.
O próprio STF, ao modular e aplicar tal entendimento, ressalvou expressamente as hipóteses de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Isso significa que o Judiciário não pode adentrar no mérito administrativo de escolher qual doutrina é a "mais correta" entre duas correntes aceitáveis, mas possui o dever de intervir quando a banca exige conteúdo não previsto no edital ou quando a questão padece de erro teratológico, grosseiro e evidente.
O Tema 485, portanto, não blinda as bancas examinadoras de seus erros; ele apenas delimita que a atuação do juiz é de controle de legalidade estrita (vinculação ao edital) e de razoabilidade (controle de erro grosseiro), impedindo que o magistrado atue como uma "banca revisora" de critérios meramente subjetivos ou acadêmicos de correção.
4. Cobrança de conteúdo em desconformidade com o Edital
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório é a pedra angular de qualquer concurso público. O edital é a lei do concurso, e tanto a Administração quanto os candidatos estão estritamente sujeitos às suas regras e ao conteúdo programático nele delineado. Uma das causas mais frequentes e exitosas de anulação de questão de concurso refere-se à cobrança de assuntos que não constam expressamente no conteúdo programático do edital.
Quando a banca examinadora extrapola os limites do que foi previamente divulgado, ela surpreende o candidato e viola os princípios da segurança jurídica e da publicidade. Por exemplo, se o edital prevê apenas "Direito Constitucional: Direitos Fundamentais", a cobrança de uma questão complexa sobre "Processo Legislativo Orçamentário" configuraria uma ilegalidade flagrante.
Nesses casos, a atuação do Judiciário não envolve reavaliação de mérito ou critério de correção, mas sim um simples confronto objetivo entre o que foi perguntado na prova e o que estava previsto na lista de tópicos do edital. A jurisprudência anulação de questão concurso público é pacífica no sentido de que exigir conhecimento não editalício constitui violação ao princípio da legalidade, ensejando a anulação do item e a atribuição da pontuação correspondente ao candidato prejudicado.
5. Erros grosseiros e materiais na questão
Além da extrapolação do edital, outra hipótese que autoriza a intervenção judicial, mesmo sob a ótica restritiva do Tema 485 do STF, é a existência de erro grosseiro ou material na elaboração da questão. Considera-se erro grosseiro aquele equívoco evidente, teratológico, indiscutível, que não demanda conhecimentos técnicos aprofundados ou escolha entre correntes doutrinárias para ser constatado. Estamos falando de situações em que a banca afirma que "2 + 2 = 5" ou considera correta uma alternativa baseada em legislação revogada antes da publicação do edital.
O erro material, por sua vez, pode ocorrer por falhas de digitação que alteram o sentido da pergunta ou das respostas, tornando impossível a resolução lógica do problema. Nestes casos, a manutenção da questão penalizaria o candidato bem preparado, que estudou a norma vigente ou o conceito correto, em benefício daquele que respondeu ao acaso.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça admitem a excepcionalidade da anulação quando o vício é patente, pois manter um erro evidente sob o pretexto de "discricionariedade da banca" seria chancelar a ilegalidade e a injustiça, desvirtuando a finalidade do concurso público, que é selecionar os candidatos mais aptos com base em critérios objetivos e verdadeiros.
6. Mais de uma resposta correta ou ausência de resposta correta
As questões objetivas de concursos públicos, por definição, devem possuir uma única assertiva correta, que deve ser inquestionável diante da bibliografia e legislação de regência. A presença de duplicidade de respostas corretas ou a total ausência de uma alternativa válida configura vício insanável de objetividade. Quando uma questão permite múltiplas interpretações válidas ou quando todas as alternativas apresentadas contêm erros, o candidato é colocado em uma situação de "loteria", o que fere mortalmente o princípio da isonomia e da impessoalidade.
A anulação questao concurso é imperativa nesses cenários, pois não se pode exigir do candidato que "adivinhe" qual o erro que a banca decidiu ignorar ou qual das verdades a banca decidiu privilegiar arbitrariamente. O Judiciário, ao ser provocado, analisa se a dubiedade compromete a avaliação objetiva. Se demonstrado por meio de provas documentais ou periciais que não há uma única resposta correta, o item deve ser anulado para todos ou, a depender da via processual e do momento, a pontuação deve ser atribuída ao autor da demanda, restaurando a justiça da avaliação.
7. Mandado de segurança para anular questão de concurso
O Mandado de Segurança para anular questão de concurso é a via processual célere e prioritária utilizada por advogados especializados quando a ilegalidade da questão pode ser comprovada de plano, sem necessidade de dilação probatória. Para o cabimento do writ, é necessário demonstrar o direito líquido e certo do candidato, comprovando documentalmente (pré-constituição da prova) que a banca violou o edital ou cometeu erro grosseiro evidente.
A grande vantagem do Mandado de Segurança é a sua rito sumário, que permite uma resposta judicial mais rápida, muitas vezes essencial para garantir a participação do candidato nas etapas subsequentes do certame enquanto se discute o mérito.
Contudo, é crucial observar o prazo decadencial de 120 dias, contados geralmente a partir da publicação do ato coator, que no caso de questões objetivas, costuma ser a divulgação do gabarito definitivo ou a homologação do resultado final, a depender do entendimento do Tribunal local. A impetração de Mandado de Segurança exige precisão técnica cirúrgica na demonstração do direito, pois não haverá fase de produção de provas periciais ou testemunhais durante o processo.
8. Ação anulatória de questão de concurso pelo procedimento comum ou pelo rito do juizado especial da fazenda pública
Quando a complexidade da matéria exige uma análise técnica mais aprofundada, incompatível com o rito estreito do Mandado de Segurança, a via adequada é a ação de anulação de questão de concurso pelo procedimento comum ou, dependendo do valor da causa e da complexidade, pelo Juizado Especial da Fazenda Pública.
Essa modalidade processual é recomendada quando a demonstração do erro da banca depende de perícia técnica especializada (engenharia, medicina, contabilidade, etc.) ou quando já transcorreu o prazo decadencial de 120 dias do Mandado de Segurança, respeitando-se o prazo prescricional quinquenal contra a Fazenda Pública.
Embora o trâmite possa ser mais moroso do que o do remédio constitucional, a ação ordinária oferece maior amplitude de defesa e probatória, permitindo ao advogado especialista em concurso público construir um arcabouço probatório robusto para convencer o magistrado sobre a invalidade da questão impugnada.
9. Possibilidade de pedir perícia judicial
Um diferencial estratégico nas ações pelo rito comum é a possibilidade de requerer a produção de prova pericial. Como os magistrados são especialistas em Direito e não necessariamente dominam outras áreas do conhecimento exigidas em concursos (como Enfermagem, Engenharia, Tecnologia da Informação ou Matemática Avançada), a perícia judicial torna-se um meio de prova fundamental.
Ao nomear um perito de confiança do juízo, que seja expert na matéria objurgada, o Judiciário obtém um laudo técnico imparcial que atestará se houve erro grosseiro, divergência doutrinária insanável ou extrapolação do edital. A prova pericial confere segurança técnica à decisão judicial, afastando a alegação de interferência indevida no mérito administrativo, pois a decisão se baseará em um fato técnico comprovado nos autos e não na mera opinião do julgador.
O pedido de perícia deve ser bem fundamentado pelo advogado especializado em concurso público desde a petição inicial, demonstrando a necessidade técnica da medida para o deslinde da causa.
10. Cuidados ao contratar um advogado para anular questões de concurso público
É fundamental esclarecer ao candidato que a anulação de questão de concurso público é uma medida excepcional e que não se deve nutrir falsas esperanças baseadas em promessas genéricas encontradas na internet. O Poder Judiciário, embora atento às ilegalidades, mantém uma postura de deferência técnica às bancas examinadoras, intervindo apenas em casos de flagrante ilegalidade ou erro teratológico, conforme já consolidado na jurisprudência.
A estratégia de "atirar para todo lado", solicitando a anulação de dezenas de questões na esperança de que alguma seja acolhida, é tecnicamente falha e frequentemente rejeitada pelos tribunais, podendo inclusive enfraquecer a credibilidade dos argumentos apresentados.
A melhor técnica jurídica consiste em realizar uma triagem minuciosa e solicitar judicialmente a anulação apenas das questões que realmente possuem vícios objetivos, comprováveis e robustos, aumentando significativamente as chances de êxito. A aventura jurídica irresponsável não apenas gera custos desnecessários, mas também frustração emocional em um momento já delicado da vida do candidato.
11. A importância de acompanhamento de advogado especialista em concurso público
A complexidade das teses jurídicas envolvidas, a necessidade de distinção precisa entre discricionariedade técnica e ilegalidade, e o rigoroso acompanhamento dos precedentes jurisprudenciais exigem a atuação de um advogado especialista em concurso público. O profissional generalista, muitas vezes, desconhece as nuances do Tema 485 do STF, os prazos específicos do certame e as peculiaridades das bancas examinadoras (Cebraspe, FGV, FCC, etc.).
O advogado especializado em concurso público realiza uma análise preventiva rigorosa, identificando a viabilidade real da demanda e evitando colocar o cliente em aventuras jurídicas fadadas ao insucesso. Esse profissional saberá balizar as expectativas, traçar a melhor estratégia processual (Mandado de Segurança versus Ação Ordinária) e fundamentar a petição com base na mais atualizada jurisprudência anulação de questão concurso público, atuando como um verdadeiro parceiro na jornada rumo à nomeação. A expertise técnica é o diferencial que transforma uma simples irresignação em uma tese jurídica vencedora perante os Tribunais.
12. O diferencial do escritório Rafael Souza Advocacia
O escritório Rafael Souza Advocacia destaca-se como referência nacional em advocacia especializada para concursos públicos. Com 12 anos de experiência, nossa equipe de especialistas oferece atendimento eficiente e transparente, sempre pautado por uma atuação ética e combativa na defesa dos direitos dos candidatos.
Compreendemos que por trás de cada matrícula ou número de inscrição existe um sonho e um projeto de vida. Nossa equipe é composta por advogados altamente qualificados, detentores de títulos de pós-graduação, mestrado e doutorado obtidos em instituições renomadas, garantindo um nível de excelência técnica superior na elaboração das teses jurídicas.
Além da expertise jurídica, contamos ainda com o suporte técnico de professores universitários e instrutores dos melhores cursos preparatórios do país, o que nos permite identificar com precisão os erros acadêmicos e técnicos nas provas dos diversos certames.
Nos últimos anos, atendemos mais de 4.000 clientes e defendemos com êxito centenas de candidatos nos principais concursos públicos do país, incluindo certames de alta complexidade como CNU, RFB, MPU, PETROBRAS, CÂMARA DOS DEPUTADOS, TJMG, TRF1, TRF6, CSJT, ENAM, TRT3, TRT17, TJSP, TJRJ, TJES, PMMG, CBMMG, PMGO, BMRS, PCMG, PCSP, PCMT, PCRJ, PCAM, OAB, BB, PBH, ALMG, PPMG, MPMG, CEFET-MG, MPRJ, AERONÁUTICA, EBSERH, MARINHA, UFMG, UnDF, SEEMG, UFPA, UFPI, SUSEPE/RS, SPGG/RS, TCE/RJ e CGM-Rio, dentre outros, consolidando nossa reputação de liderança e resultados efetivos na área.
13. Jurisprudência anulação de questão concurso público
A viabilidade técnica e jurídica da anulação de questão de concurso público pelo Poder Judiciário não se sustenta apenas na dogmática constitucional e administrativa, mas é solidamente ancorada em um robusto e consistente acervo de precedentes judiciais dos Tribunais Superiores e Estaduais, que, embora reafirmem a regra geral de deferência à banca examinadora (Tema 485 do STF), estabelecem limites intransponíveis à atuação discricionária quando esta resvala na ilegalidade, no erro grosseiro ou na inobservância das regras editalícias.
A seguir, para fins de demonstrar a efetividade e os fundamentos aceitos para a tutela jurisdicional, analisam-se precedentes que se tornaram marcos na jurisprudência pátria sobre o tema, oferecendo o necessário contraponto à tese da impossibilidade de anulação de questões.
TJ-MG - REEX: 10396140025810001 MG, Relator.: Áurea Brasil, Data de Julgamento: 25/02/2016, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/03/2016
REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - ANULAÇÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS - ATRIBUIÇÃO DOS PONTOS A TODOS OS CANDIDATOS - INOBSERVÂNCIA, PELA ADMINISTRAÇÃO, DO REGRAMENTO EXPRESSAMENTE PREVISTO NO EDITAL - DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA - CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE - VÍCIO EVIDENTE - PRECEDENTE DO STJ - SEGURANÇA CONCEDIDA 1. O administrador público encontra-se vinculado ao disposto no instrumento convocatório de concurso público, não podendo, em apreço aos princípios da legalidade e da isonomia, criar exceções às regras que, de antemão, foram postas a todos os candidatos do certame. 2. Edital que prevê expressamente que os pontos correspondentes às questões anuladas pela própria comissão processante seriam atribuídos indistintamente a todos os candidatos, independentemente de interposição de recurso administrativo ou de interpelação judicial . Ilegalidade do ato que sonega a pontuação da impetrante na classificação final. 3. É possível a intervenção judicial em concurso público, em caráter excepcional, quando o vício que macula a conduta questionada se manifesta de forma evidente e inquestionável. Precedente do STJ . 4. Segurança concedida. Sentença confirmada, em reexame necessário.
Este julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é fundamental para solidificar a tese da vinculação ao edital como o principal vetor de controle judicial, mesmo quando a ilegalidade não reside diretamente no conteúdo da questão, mas sim na aplicação das regras do concurso. Neste caso, a banca examinadora, após anular questões administrativamente, deixou de atribuir a pontuação correspondente a todos os candidatos, contrariando uma norma expressa no próprio edital que previa a distribuição indistinta dos pontos.
A intervenção judicial aqui não se deu em virtude de um erro técnico ou doutrinário, mas sim em razão de um ato administrativo posterior que violou os princípios da legalidade e da isonomia, pois a Administração, ao estabelecer regras claras no instrumento convocatório, fica a elas submetida de maneira irrestrita. O Tribunal, concedendo a segurança, ratificou que o Judiciário deve atuar para corrigir a inércia ou a má aplicação das normas estabelecidas pela própria Administração, garantindo a paridade de tratamento entre os concorrentes.
TJ-BA - Mandado de Segurança: 80149064320208050000, Relator.: PAULO ALBERTO NUNES CHENAUD, Data de Julgamento: 24/04/2024, SECAO CÍVEL DE DIREITO PUBLICO, Data de Publicação: 24/05/2024
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Cível de Direito Público Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL n. 8014906-43.2020.8 .05.0000 Órgão Julgador: Seção Cível de Direito Público IMPETRANTE: ALISSON PEREIRA RIBAS DOS ANJOS Advogado (s): RAPHAEL ALVES SANTOS IMPETRADO: SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outros (2) Advogado (s):RICARDO RIBAS DA COSTA BERLOFFA ACORDÃO MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALUNO SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR . EDITAL SAEB Nº 002/2019. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO - IBFC. ACOLHIMENTO . MÉRITO. PEDIDO DE ANULAÇÃO DA QUESTÃO Nº 75. MATÉRIA ENFRENTADA ATRAVÉS DO JULGAMENTO DO IRDR Nº 8034581-89.2020 .8.05.0000 (TEMA 14). APLICAÇÃO DA TESE NO CASO CONCRETO . ANULAÇÃO DA QUESTÃO Nº 75. RECLASSIFICAÇÃO DA PARTE IMPETRANTE. DIREITO DE PROSSEGUIR NAS DEMAIS ETAPAS DO CERTAME DESDE QUE CUMPRIDO OS DEMAIS REQUISITOS. SEGURANÇA CONCEDIDA . I – A preliminar de ilegitimidade passiva do Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – IBFC deve ser acolhida, eis que, no certame, o instituto atua apenas na qualidade de executor, conforme dispõe o Edital, no capítulo das disposições preliminares, no item 1.1. Acolhimento da preliminar. II – Mérito . Como cediço, a utilização do mandado de segurança para anulação de questões objetivas de concurso público só se legitima quando presente, de forma absolutamente clara, o vício imputado à questão. É esse o posicionamento assente da jurisprudência pátria. III - No caso dos autos, o Impetrante prestou concurso para o cargo de Aluno Soldado Polícia Militar - Masculino, região de Ilhéus – região 04, regido pelo Edital SAEB nº 002/2019. O certame foi dividido em duas etapas . A 1ª Etapa composta de prova objetiva de caráter eliminatório e classificatório, e a 2ª Etapa de Prova Discursiva, de caráter eliminatório e classificatório. IV - Após realizar a Primeira Etapa do certame, a parte autora impetrou o presente mandado de segurança, requerendo a declaração de nulidade da questão de nº 75. V - Diante da repetição de processos versando sobre a mesma temática, a questão foi afetada a julgamento, sob a sistemática dos recursos repetitivos, ocasionando a admissão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 8034581-89.2020 .8.05.0000 (Tema 14), de relatoria do Des. Raimundo Sérgio Sales Cafezeiro, nos termos dos arts . 982, I, do CPC e 219, IV, do RITJBA. VI - Após transcurso regular, o incidente foi então julgado na data de 24/11/2022, pela Seção Cível de Direito Público, sendo definida a seguinte tese jurídica: “Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos transparece, o voto é no sentido de: a) aprovar a seguinte tese jurídica vinculante: “Não cabe ao Poder Judiciário substituir a Banca Examinadora para declarar a invalidade das questões n.º 4, 6, 7, 16, 19, 21, 33, 34, 51, 53, 62, 63, 65, 68, 70 e 72, da prova objetiva do Concurso Público para seleção de candidatos ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar, e questões 15, 18 e 57, da prova objetiva para soldado do Corpo de Bombeiros Militar, relativas ao Edital SAEB 02/2019, sendo válidas as referidas inquirições, eis que, na resolução, não restou comprovada a incompatibilidade com o conteúdo programático exigido pelo instrumento convocatório.” b) aprovar a seguinte tese jurídica vinculante: “Deve ser anulada a questão 41, da prova para soldado do Corpo de Bombeiros Militar, por apresentar a alternativa apontada como correta um erro grosseiro .” c) aprovar a seguinte tese jurídica vinculante: “Deve ser anulada a questão 75, da prova objetiva do Concurso Público para seleção de candidatos ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar, por apresentar a alternativa apontada como correta pela banca examinadora um erro grosseiro.”. VII - Assim, realizando aplicação da tese jurídica definida no IRDR nº 8015496-20.2020 .8.05.0000, cadastrado como Tema nº 14 no âmbito deste egrégio Tribunal de Justiça, fica patente o direito do Impetrante em ter anulada a questão nº 75 (setenta e cinco) e, por consequência, ser reclassificado dentro do certame, prosseguindo nas demais etapas, desde que obtida pontuação necessária e de acordo com as regras editalícias. VIII – Segurança concedida . Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 8014906-43.2020.8.05 .0000, em que figuram como impetrante ALISSON PEREIRA RIBAS DOS ANJOS e impetrados SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outros. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Seção Cível de Direito Público do eg. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, conforme certidão de julgamento, em ACOLHER A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA do Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – IBFC, e, no mérito, CONCEDER A SEGURANÇA, nos termos do voto do Relator. Salvador/BA, Sala das Sessões, data registrada no sistema . PRESIDENTE PAULO ALBERTO NUNES CHENAUD DESEMBARGADOR RELATOR PROCURADOR (A) DE JUSTIÇA 07-442
O Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia é de extrema relevância, não apenas por anular uma questão, mas por fazê-lo em aplicação direta de uma tese vinculante firmada em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), o que confere segurança jurídica e uniformidade às decisões sobre o mesmo certame e as mesmas questões. O Tribunal, após reconhecer a ilegalidade da Questão n.º 75 da prova da Polícia Militar por configurar um erro grosseiro na alternativa apontada como correta, aplicou a tese do Tema 14 do TJBA, demonstrando que o Judiciário não hesita em atuar quando o vício é patente, conforme excetua o Tema 485 do STF.
A decisão é emblemática porque consolida o entendimento de que quando o erro é teratológico, ele deixa de ser uma mera divergência técnica passível de discricionariedade e se torna uma ilegalidade manifesta, passível de controle judicial. Adicionalmente, o julgado aborda a questão processual da legitimidade passiva, afastando a banca executora (IBFC) e mantendo a autoridade pública (Secretário de Estado) no polo passivo, entendimento pacífico em casos de Mandado de Segurança.
TJ-DF 0728010-41.2023 .8.07.0000 1773055, Relator.: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 16/10/2023, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/10/2023
Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO . ILEGITIMIDADE PASSIVA. BANCA ORGANIZADORA. ACOLHIMENTO. SECRETÁRIO DE ESTADO . REJEIÇÃO. PARTE LEGÍTIMA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. REJEIÇÃO . PROVA OBJETIVA. CORREÇÃO DE QUESTÃO. ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE . VIOLAÇÃO. ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. TESE FIXADA EM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 485 . SITUAÇÃO TERATOLÓGICA. ENUNCIADO CANCELADO. MATÉRIA NÃO INTEGRANTE DO OBJETO DE ARGUIÇÃO DO CERTAME. SEGURANÇA CONCEDIDA . 1. O mandado de segurança é instrumento processual destinado a ?proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça? (art. 1º da Lei 12.016/2009) . 2. A banca examinadora, pessoa jurídica contratada apenas para a realização do concurso público, não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda quando constatado seu papel de mera executora do concurso, cabendo-lhe tão somente cumprir os atos definidos pelo contratante, ou seja, atos de execução para operacionalizar o certame, e não detém poderes para corrigir eventual ilegalidade. 3. Acerca das incorreções atribuídas a processo seletivo e sendo o Secretário de Estado aquele que detém a atribuição de homologar os resultados, possui legitimidade para o mandado de segurança . 4. A preliminar de ausência de direito líquido e certo suscitada com base na ausência de dilação probatória confunde-se com o mérito do mandamus e, portanto, a apreciação é conjunta. 5. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em sede de repercussão geral (Tema 485), a seguinte tese: ?Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade? (tese definida no RE 632 .853, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje 29.6 .2015). 6. De acordo com a jurisprudência do Pretório Excelso e desta colenda Casa de Justiça, em regra, o Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora de concurso público ou mesmo se imiscuir nos critérios de correção de provas e atribuição de notas, visto que o controle jurisdicional se restringe à legalidade do concurso. 7 . Diante da existência de situação teratológica evidente, qual seja, considerar como vigente enunciado já cancelado da súmula do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Distrito Federal (TARF/DF) (Resolução 1, de 06.7.2021) e cobrá-lo na prova objetiva, autoriza-se a revisão pelo Poder Judiciário do gabarito disponibilizado para o item. 8 . Segurança denegada em razão do acolhimento da ilegitimidade passiva do IADES. Quanto ao mais, segurança concedida.
Este julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ilustra perfeitamente a exceção da situação teratológica no contexto do controle de legalidade. A ilegalidade não se deu por divergência doutrinária, mas sim pela cobrança de um enunciado de súmula de órgão administrativo que já havia sido expressamente cancelado antes da publicação do edital e realização da prova.
Exigir do candidato o conhecimento de norma ou enunciado revogado configura erro grosseiro e manifesta violação ao princípio da legalidade administrativa, pois a Administração deve balizar o concurso com base no ordenamento jurídico vigente. O Tribunal reconheceu que tal falha extrapolou a fronteira da discricionariedade técnica, autorizando a intervenção judicial e a concessão da segurança para anular a questão, em consonância com o que permite a tese do Tema 485 do STF.
TRF-1 - (AMS): 10701373820224013400, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO FILIPE ALVES MARTINS, Data de Julgamento: 24/02/2025, QUINTA TURMA, Data de Publicação: PJe 24/02/2025 PAG PJe 24/02/2025 PAG
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TJDFT . EDITAL Nº 1/2022. ANALISTA JUDICIÁRIO. QUESTÃO Nº 06 DA PROVA OBJETIVA TIPO 04 - AZUL. FIGURAS DE LINGUAGEM . MATÉRIA NÃO PREVISTA NO EDITAL. NULIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA . HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INCABÍVEIS NA ESPÉCIE (ART. 25 DA LEI Nº 12.016/09). 1 . Trata-se de apelações interpostas pela União Federal e pela FGV em face da r. sentença que confirmou a liminar e concedeu a segurança, para determinar a anulação da questão 06 da prova objetiva tipo 04 - AZUL, com a atribuição da pontuação correlata à Impetrante, atualizando a sua pontuação e, sendo o caso, seguimento nas demais etapas. 2. Em se tratando de concurso público, como no caso, a atuação do Poder Judiciário deve se limitar ao controle da legalidade dos atos praticados e ao fiel cumprimento das normas estipuladas no edital regulador do certame, sendo-lhe vedado substituir-se à banca examinadora, na definição dos critérios de correção de prova e fixação das respectivas notas . Nesse sentido, apenas "excepcionalmente, em havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, ou a ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade" (STJ, AgRg no REsp 1244266/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 02/12/2011). 3. Demonstrada a cobrança de conhecimentos de matéria não prevista no edital do certame, impõe-se a anulação da questão, por flagrante violação do princípio da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, com a consequente atribuição da pontuação respectiva à candidata . Precedentes. 4. Na hipótese, a solução da Questão nº 06 da Prova Objetiva Tipo 04 - Azul exigia conhecimentos a respeito de figura de linguagem, contudo, tal matéria não constou de forma expressa do conteúdo programático do edital regulador do certame, devendo, assim, ser reconhecida a nulidade da questão. (AI 1055663-62 .2022.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 20/06/2024) . 5. Apelações desprovidas. Honorários advocatícios incabíveis na espécie (art. 25 da Lei nº 12 .016/09)
O precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região enfatiza a importância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, um pilar do direito administrativo que garante a previsibilidade e a isonomia no certame. Neste caso específico, a anulação da questão se deu porque a banca examinadora exigiu conhecimento de conteúdo ("Figuras de Linguagem") que não estava expressa ou implicitamente incluído no conteúdo programático do edital, configurando uma flagrante ilegalidade. Tal atuação judicial não configura invasão ao mérito administrativo, mas sim o exercício do controle de legalidade estrita, verificando a compatibilidade entre o que foi cobrado na prova e o que fora prometido aos candidatos no edital. A decisão reitera que a ausência de observância às regras previstas no edital autoriza e impõe a anulação da questão pelo Judiciário.
STJ - MS: 13237 DF 2007/0289707-5, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 14/09/2016, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/09/2016
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL . CANDIDATA ELIMINADA NA PRIMEIRA FASE EM RAZÃO DE NÃO ALCANÇAR A NOTA DE CORTE POR UMA ÚNICA QUESTÃO. ALTERAÇÃO DE RESPOSTA NO GABARITO PRELIMINAR. ENUNCIADO DE QUESTÃO DÚBIO, GERANDO DUAS RESPOSTAS CORRETAS. ALTERAÇÃO DO GABARITO AO INVÉS DE ANULAÇÃO . MEDIDA QUE IMPORTA EM DESCUMPRIMENTO DO EDITAL. EXCEPCIONALIDADE DO CASO, A PERMITIR O EXAME DA CONTROVÉRSIA PELO PODER JUDICIÁRIO. INAPLICABILIDADE DO PRECEDENTE DO STF NO RE 632.853/CE AO CASO CONCRETO . CONVENIÊNCIA DA PRESERVAÇÃO DA SITUAÇÃO DA IMPETRANTE QUE EXERCE O CARGO HÁ QUASE SETE ANOS. INVESTIDURA QUE, TORNADA DEFINITIVA, NÃO ACARRETARÁ PREJUÍZO NEM À ADMINISTRAÇÃO, NEM AOS OUTROS CANDIDATOS APROVADOS, TODOS JÁ NOMEADOS. 1. Se uma questão objetiva com enunciado dúbio permite a apresentação de duas respostas corretas, quando o comando da questão afirma existir apenas um, a providência que se espera da banca examinadora é a anulação da questão e não a simples alteração do resultado do gabarito preliminar, para considerar como correta uma das duas interpretações cabíveis . Tal providência viola a regra editalícia que dispõe sobre a anulação de questões no concurso. 2. Caso em que, a despeito de uma análise perfunctória do conteúdo da única questão da prova objetiva impugnada pela impetrante, o acórdão trazido a reexame pretendeu demonstrar a existência de uma construção vernacular que levou à estruturação de uma assertiva dúbia, que poderia ser compreendida por dois ângulos opostos e, assim, levar a duas conclusões diferentes e a duas respostas corretas ao mesmo enunciado. No ponto, a própria banca examinadora divulgou, no gabarito preliminar, como correta a resposta escolhida pela impetrante, mas, após os recursos, indicou como certa alternativa oposta à sua compreensão inicial, demonstrando, com isso, a dubiedade da questão e sua nulidade em face do edital . 3. Inaplicabilidade, à hipótese em tela, do precedente do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 632.853/CE (repercussão geral), no qual aquela Corte Suprema assentou que "Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas" . 4. Na situação concreta que gerou o precedente do STF, o aresto recorrido havia reavaliado as respostas apresentadas pelos candidatos para determinar quais seriam os itens corretos e falsos de acordo com a doutrina e a literatura técnica em enfermagem, substituindo-se à banca examinadora e extrapolando o controle de legalidade admissível ao Judiciário, que se limita a verificar a pertinência do exame aplicado ao conteúdo discriminado no edital. 5. Diferentemente do exame efetuado no acórdão do Supremo, em sede de repercussão geral, não se está aqui a corrigir um gabarito dado pela banca examinadora, com amparo em literatura especializada, para definir uma corrente doutrinária mais correta que deveria ter sido adotada pelo examinador . O caso deste mandado de segurança demanda apenas a constatação da existência de dubiedade de compreensão possível no enunciado de uma questão, cujo comando previa apenas uma resposta correta, o que, de certa forma, já contraria o que se espera de uma prova objetiva. 6. A manutenção da situação da impetrante, que exerce, por força de liminar, o cargo de Procurador da Fazenda Nacional há quase sete anos, deve ser preservada, em caráter excepcional, seja em respeito ao princípio da segurança jurídica, seja porque a alteração pode vir a implicar em mais prejuízo para a Administração do que benefício, na medida em que a impetrante foi devidamente aprovada nas demais fases do certame e no estágio probatório, demonstrando a necessária competência para o desempenho de seu cargo e a Administração Pública nela investiu tempo e treinamento. 7 . Além disso, sua nomeação não traz prejuízo aos demais candidatos aprovados no certame, posto que todos foram nomeados. 8. Manutenção do acórdão desta Terceira Seção que concedeu a segurança pleiteada pela impetrante, encaminhando-se os autos à Vice-Presidência, para regular processamento do recurso extraordinário da UNIÃO, conforme preconiza o artigo 543-B, § 4º, do CPC.
Este julgado do Superior Tribunal de Justiça é um leading case que oferece uma das mais claras distinções entre o que é discricionariedade técnica e o que é ilegalidade manifesta, afastando a aplicação cega do Tema 485 do STF ao caso concreto. A ementa demonstra que a dubiedade insuperável do enunciado, que permitia duas respostas corretas, não apenas configurou um vício, mas também levou a banca a descumprir o próprio edital ao tentar "consertar" o problema alterando o gabarito em vez de anular a questão, o que deveria ser a providência correta diante da nulidade do item.
O STJ esclarece que, ao avaliar tal dubiedade, o Judiciário não está se substituindo à banca para escolher a melhor doutrina (o que faria incidir o Tema 485), mas sim constatando um vício de objetividade que violou a regra do concurso. A decisão sublinha a nulidade da questão diante da falta de uma única resposta correta, ratificando a possibilidade de intervenção judicial em casos de ausência de objetividade na formulação da prova.
TJ-DF 0743363-24.2023.8.07 .0000 1805091, Relator.: ALVARO CIARLINI, Data de Julgamento: 22/01/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/02/2024
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CONTEÚDO INCOMPATÍVEL COM O PREVISTO NO EDITAL . CONHECIMENTO DO CONTEÚDO DE ENUNCIADO SUMULAR CANCELADO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A presente hipótese consiste em examinar a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, do gabarito de testes aplicados em prova elaborada para concurso público . 2. No caso o impetrante pretende obter sua continuidade nas demais etapas do certame em posição consentânea com o desempenho apresentado na prova, alegando a invalidade de questão objeto de análise nos autos do presente processo. A atribuição, nesse caso, é do Secretário de Estado de Planejamento, Orçamento e Administração do Distrito Federal. 2 .2. Isso não obstante a correlata atividade de elaboração, correção das provas e julgamento dos recursos, em conformidade com o desempenho dos candidatos e nos termos das regras previstas no edital normativo do certame, foi atribuída ao Diretor do Instituto Americano de Desenvolvimento - IADES. Em relação a essas etapas, portanto, a referida autoridade (Secretário de Estado) tem atribuição para corrigir eventual defeito do ato administrativo objeto de impugnação. 3 . É elementar que o conteúdo dos enunciados da súmula de órgãos administrativos pode ser objeto de exame em concursos públicos. 3.1. Ademais, o conteúdo relativo à estrutura do TARF foi mencionado de modo expresso no edital normativo do certame . 3.2. Nota-se, no entanto, que o enunciado nº 7/2018 da Súmula do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Distrito Federal foi cancelado por meio da Resolução TARF nº 1, de 6 de julho de 2021, ou seja, em período anterior ao momento da publicação do edital normativo do concurso público em destaque. 3 .3. Nesse contexto é possível observar que houve, de fato, a alegada desconformidade entre o enunciado da questão nº 31 (trinta e um) e as regras de regência, por ter sido exigido o conhecimento a respeito de conteúdo normativo não mais vigente no momento da publicação do edital. 4. Segurança concedida .
Complementando o entendimento anterior do TJDF, este acórdão ratifica a ilegalidade decorrente da cobrança de conteúdo que já estava cancelado (Enunciado Sumular do TARF/DF) antes da realização da prova e, inclusive, antes da publicação do edital, constituindo uma violação direta ao princípio da legalidade.
A intervenção judicial, nesses cenários, não se configura como uma reavaliação de mérito, pois não se trata de escolher qual a melhor interpretação legal, mas sim de verificar um fato objetivo: a exigência de uma norma que já havia perdido a vigência e a consequente desconformidade entre o que foi cobrado e a realidade jurídica aplicável. A segurança concedida reforça a proteção do candidato de má-fé da banca, que comete erro material ao desconsiderar a vigência das normas.
STF - RE: 1030329 PR, Relator.: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 10/10/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-207 DIVULG 13-10-2022 PUBLIC 14-10-2022
Ementa: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA POR CONTA DE ERRO MATERIAL . TEMA 485 DA REPERCUSSÃO GERAL. INAPLICABILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO . INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. Na hipótese em exame, não se trata da discussão sobre o Poder Judiciário substituir o examinador do certame público na escolha dos critérios de correção . Diversamente, trata-se de causa em que o Tribunal de origem comprovou, de forma inequívoca, a existência de erro material no enunciado da questão considerada correta, induzindo o candidato a equívoco, uma vez que indica dispositivo legal completamente estranho ao objeto avaliado. 2. Dessa forma, sendo inconteste a existência de erro material na questão de concurso público, tem-se que, de fato, o Tema 485 da repercussão geral não se aplica ao caso destes autos. 3 . A jurisprudência desta SUPREMA CORTE é firme no sentido da possibilidade de o Poder Judiciário realizar o controle de atos administrativos ilegais ou abusivos. 4. Agravo Interno a que se nega provimento.
Este é o precedente de maior peso no sistema jurídico, pois é oriundo do próprio Supremo Tribunal Federal, responsável por firmar o Tema 485, e demonstra o seu alcance e, crucialmente, suas limitações. Ao julgar o Agravo Interno no Recurso Extraordinário, o STF reafirmou que o Tema 485 não se aplica quando a anulação da questão ocorre em razão de erro material inequívoco no enunciado.
No caso concreto, o erro material induzia o candidato a equívoco por indicar dispositivo legal totalmente irrelevante ou estranho ao objeto da questão. A Corte Constitucional esclareceu que o controle de legalidade (detectar um erro de fato objetivo) é dever do Judiciário e se distingue da substituição do critério técnico do examinador. Este acórdão é a prova máxima da tese de que o erro grosseiro ou material, por ser uma ilegalidade passível de verificação objetiva, afasta a presunção de discricionariedade do ato administrativo e autoriza a anulação da questão por parte do Poder Judiciário como guardião da constitucionalidade e da legalidade no processo seletivo.
A análise conjunta destes julgados demonstra que, embora o Judiciário adote cautela extrema para não se tornar uma "superbanca", a porta da prestação jurisdicional permanece aberta para sanar vícios de legalidade que comprometam a isonomia e a objetividade do certame, seja por violação expressa ao edital, seja pela ocorrência de erros factuais ou materiais insuperáveis. A atuação de um advogado especialista em concurso público é, portanto, essencial para mapear tais vícios e enquadrá-los nas estritas exceções consagradas pela jurisprudência.
14. Conclusões
A judicialização em concursos públicos é um sintoma da necessidade de maior profissionalismo e rigor técnico por parte das bancas examinadoras. Enquanto persistirem editais mal elaborados e correções arbitrárias, o Poder Judiciário funcionará como guardião último da legitimidade do certame, assegurando que o mérito pessoal de cada candidato seja avaliado com justiça. O caminho para a anulação de questão de concurso via judicial é técnico e repleto de obstáculos processuais, mas plenamente transponível quando se conta com a fundamentação correta e o suporte de um advogado especialista.
A jurisprudência anulação de questão concurso público demonstra que não há "cheque em branco" para as bancas e que a legalidade e a vinculação ao edital são princípios inegociáveis. Assim, ao identificar uma injustiça flagrante, o candidato não deve hesitar em buscar a tutela de seus direitos, pois a aprovação no cargo público deve ser o resultado do esforço e do conhecimento, jamais da arbitrariedade ou do erro.
Rafael Costa de Souza
Advogado especialista em concurso público
Mestre em Direito Constitucional pela UFMG
OAB/MG 147.808





Comentários