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A Eliminação na Etapa de Exames Médicos em Concurso Público

  • Foto do escritor: Rafael Souza
    Rafael Souza
  • 11 de nov.
  • 18 min de leitura
Advogado especialista em concurso público


1. Introdução


A jornada para a aprovação em um concurso público no Brasil é, inegavelmente, um percurso árduo, que demanda anos de dedicação, estudo aprofundado e uma resiliência notável por parte dos candidatos. A investidura em um cargo público representa não apenas a estabilidade financeira, mas a realização de um sonho e a oportunidade de servir à sociedade. Contudo, após superar as desafiadoras provas objetivas e discursivas, e por vezes os exaustivos testes de aptidão física, o candidato se depara com uma fase que, embora essencial, é frequentemente fonte de grande ansiedade e controvérsia: a etapa dos exames médicos. Esta fase, concebida para assegurar que o futuro servidor possua a higidez física e mental necessária para o desempenho de suas funções, pode se transformar em um obstáculo inesperado e, em muitos casos, injusto, culminando na eliminação sumária de candidatos plenamente capazes.


O presente artigo, elaborado com a expertise de um advogado especialista em concurso público, tem como objetivo desmistificar a avaliação médica, detalhando seus fundamentos legais, os limites de sua aplicação e, crucialmente, os caminhos e direitos que assistem ao candidato que se sente lesado por uma reprovação. Abordaremos desde a análise das previsões do edital até as estratégias de defesa na esfera administrativa e judicial, fornecendo um guia completo para que o seu mérito, e não uma decisão administrativa desarrazoada, defina o seu futuro no serviço público.


2. Os exames médicos em concursos públicos


A exigência de exames médicos em um concurso público não é uma arbitrariedade da Administração Pública, mas sim uma etapa com sólido fundamento constitucional e legal. O princípio da eficiência, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal, impõe ao Estado o dever de selecionar profissionais que possam exercer suas atribuições com o máximo de rendimento e qualidade, o que pressupõe, naturalmente, a posse de condições de saúde compatíveis com o cargo almejado.


De forma mais específica, a legislação que rege o serviço público, a exemplo do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei nº 8.112/1990), estabelece em seu artigo 5º, inciso VI, a "aptidão física e mental" como um requisito básico para a investidura em cargo público. Portanto, a avaliação médica é o instrumento pelo qual a Administração verifica o cumprimento dessa exigência legal. Sua finalidade é nobre e necessária: garantir que o candidato não apenas consiga desempenhar as funções inerentes ao cargo, mas também que o exercício dessas funções não represente um risco para a sua própria saúde, para a de seus colegas ou para o público em geral.


Contudo, a legalidade dessa fase está estritamente vinculada à sua previsão expressa tanto na lei que estrutura a carreira quanto, de forma detalhada, no edital do certame, que funciona como a lei interna do concurso público, vinculando tanto a Administração quanto os candidatos às suas regras.


3. Etapa específica de avaliação médica


A fase de avaliação médica dentro do cronograma de um concurso público é um procedimento complexo e multifacetado, que vai muito além de uma simples consulta. Trata-se de uma etapa de caráter eliminatório, na qual o candidato é submetido a um rigoroso escrutínio de sua saúde. O processo tipicamente se inicia com a convocação para que o candidato apresente uma extensa bateria de laudos, relatórios e exames laboratoriais e de imagem, cujas especificações devem estar prévia e inequivocamente listadas no edital.

Essa documentação é então analisada por uma junta médica oficial, designada pela banca examinadora, que, em um segundo momento, realiza um exame clínico presencial com o candidato. É imperativo compreender que o edital do concurso público assume aqui um papel central e vinculante. Ele deve descrever não apenas a lista completa dos exames exigidos, mas também os parâmetros de normalidade e, principalmente, as condições de saúde que são consideradas incapacitantes para o cargo em disputa.


Qualquer critério de avaliação que não esteja claramente previsto no edital é, em princípio, ilegal. A falha em tratar esta avaliação médica com a seriedade e a atenção aos detalhes que ela exige pode levar a uma eliminação precoce, transformando o sonho da aprovação em um pesadelo burocrático. Por essa razão, a assistência de um advogado especializado em concurso público já nesta fase pode ser um diferencial para garantir que todos os procedimentos sejam seguidos à risca.


4. Exame médico admissional após nomeação


É fundamental que os candidatos não confundam a avaliação médica, realizada como uma das etapas eliminatórias do certame, com o exame médico admissional, também conhecido como perícia médica de ingresso. Embora ambos verifiquem a aptidão do indivíduo, eles ocorrem em momentos distintos e possuem naturezas jurídicas ligeiramente diferentes. A avaliação médica faz parte da competição; é uma fase do concurso público. Já o exame médico admissional é um ato administrativo que ocorre após a homologação do resultado final e a nomeação do candidato. Ele é o último requisito a ser cumprido antes da posse, funcionando como uma confirmação final da aptidão já aferida durante o concurso.


Na prática, a perícia do exame médico admissional reavalia as condições de saúde do nomeado, garantindo que ele continua apto no momento de efetivamente ingressar no serviço público. Problemas podem surgir nesta etapa se, por exemplo, o candidato desenvolveu uma nova condição de saúde entre a avaliação médica do concurso e a perícia admissional, ou se a junta médica responsável pela posse adota critérios mais rigorosos ou distintos daqueles previstos no edital original do certame.


Em tais situações, os mesmos princípios de razoabilidade, proporcionalidade e motivação que regem a etapa do concurso se aplicam, e uma eventual declaração de inaptidão no exame médico admissional também pode e deve ser contestada, preferencialmente com o suporte de um advogado especialista em concurso público.


5. Eliminação em exames médicos em concurso públicos


A eliminação de um candidato na fase dos exames médicos de um concurso público é um dos momentos mais frustrantes de toda a jornada. Após superar barreiras intelectuais e, por vezes, físicas, ser considerado "inapto" por uma junta médica pode parecer o fim da linha. No entanto, é precisamente neste ponto que o candidato deve conhecer seus direitos para não ser vítima de uma injustiça. A reprovação geralmente ocorre por duas vias principais: a constatação de uma condição supostamente incapacitante ou a falha na apresentação de documentos.


5.1. Causas e condições incapacitantes previstas no edital


A principal causa de eliminação na avaliação médica é a alegação da banca examinadora de que o candidato é portador de uma doença ou condição listada no edital como incapacitante. O edital, sendo a lei do concurso público, deve, de fato, elencar de forma pormenorizada as patologias que levam à reprovação. O grande problema, contudo, reside na forma como essa previsão é feita e aplicada.


Muitas vezes, os editais contêm cláusulas excessivamente genéricas e abstratas, como "doenças da coluna vertebral", "acuidade visual a corrigir", "cicatrizes cirúrgicas" ou "distúrbios endócrinos". A eliminação de um candidato com base em uma cláusula tão ampla, sem uma análise concreta e individualizada de como aquela condição específica impacta o desempenho das atribuições do cargo, é um ato que fere frontalmente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.


Não é razoável eliminar um candidato a um cargo administrativo por ele possuir um leve desvio na coluna que não lhe causa dor nem limitação de movimentos. Da mesma forma, não é proporcional reprovar um candidato que realizou uma cirurgia no passado, mas apresenta laudos de seus médicos assistentes que atestam sua plena recuperação e capacidade funcional.


O foco da avaliação médica não deve ser a busca por um estado de saúde perfeito e idealizado, mas sim a aferição da aptidão real do candidato para as funções que ele efetivamente irá desempenhar. Se a condição, ainda que existente e prevista no edital, for temporária, controlada ou simplesmente não gerar qualquer limitação para o trabalho, a eliminação configura-se como um ato ilegal e passível de anulação. Um advogado especializado em concurso público é o profissional capacitado para analisar essa correlação entre a patologia e as atribuições do cargo.


5.2. Falta de entrega de documentos


Outra causa comum de eliminação, de natureza puramente formal, é a falha do candidato em apresentar todos os exames médicos e laudos exigidos pelo edital dentro do prazo estipulado. Embora o cumprimento de prazos e regras seja uma obrigação do candidato, a Administração Pública deve pautar sua conduta pelo princípio da razoabilidade e não por um formalismo exacerbado.


Eliminar sumariamente um candidato que entregou dezenas de exames complexos, mas esqueceu de apresentar um simples hemograma, por exemplo, pode ser uma medida desproporcional. A finalidade da etapa é aferir a saúde do candidato, e não testar sua capacidade de organização burocrática. Em muitos casos, os próprios editais preveem a possibilidade de a banca solicitar exames complementares ou esclarecimentos, o que demonstra que a entrega inicial não precisa ser hermeticamente perfeita.


Caso o candidato seja eliminado por uma falha formal sanável, é plenamente possível argumentar, tanto na via administrativa quanto na judicial, que a eliminação viola o princípio da proporcionalidade e do formalismo moderado, buscando-se uma oportunidade para a complementação da documentação e a consequente continuidade no concurso público.


6. Decisão administrativa e a necessidade de motivação do ato administrativo


Quando a junta médica decide pela inaptidão do candidato, ela pratica um ato administrativo que restringe um direito fundamental: o acesso a cargos públicos. Por essa razão, tal decisão não pode ser arbitrária ou sigilosa. A Constituição Federal e a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99) consagram o princípio da motivação, que obriga a Administração a expor de forma clara, explícita e congruente as razões de fato e de direito que fundamentaram sua decisão.


No contexto da avaliação médica, isso significa que um simples "inapto" ou "reprovado conforme item X do edital" é uma motivação absolutamente insuficiente e, portanto, ilegal. O laudo da junta médica deve ser detalhado, especificando qual foi a condição de saúde identificada no candidato, qual o nexo causal entre essa condição e a previsão do edital, e, o mais importante, por que, concretamente, aquela patologia o torna incapaz de exercer as atribuições específicas do cargo para o qual concorre.


A ausência de uma motivação robusta torna o ato nulo, pois impede que o candidato exerça seu direito à ampla defesa e ao contraditório, uma vez que ele não sabe exatamente do que precisa se defender. Um advogado especialista em concurso público irá, primeiramente, verificar se o ato de eliminação foi devidamente motivado, pois a falta de fundamentação é um dos vícios mais comuns e um forte argumento para a anulação da decisão.


7. Recurso Administrativo


Diante de uma reprovação na fase de exames médicos, o primeiro passo a ser dado pelo candidato é a interposição de um recurso administrativo, dentro do prazo e na forma previstos pelo edital do concurso público. Este recurso não deve ser visto como uma mera formalidade, mas sim como uma oportunidade real e estratégica de reverter a decisão da banca examinadora sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.


7.1. Importância de um recurso bem fundamentado


O sucesso de um recurso administrativo depende diretamente da qualidade de sua fundamentação. Não basta ao candidato expressar sua discordância ou seu inconformismo. É necessário construir uma peça técnica, persuasiva e, acima de tudo, embasada em provas. O recurso deve atacar diretamente os vícios do laudo da junta médica. Ele deve apontar a falta de motivação, a violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ou o erro na avaliação dos fatos.


O elemento mais poderoso para instruir um recurso administrativo são os contra-laudos. O candidato deve, imediatamente após a reprovação, procurar médicos especialistas de sua confiança para que elaborem novos relatórios, detalhados e robustos, que atestem sua plena capacidade laborativa para o cargo em questão e que contestem, ponto a ponto, as conclusões da junta médica oficial. Esses novos documentos servirão como prova de que a decisão da banca foi equivocada.


A redação de um recurso eficaz, que combine argumentos jurídicos sólidos com a análise técnica dos laudos médicos, é uma tarefa complexa, que demanda a expertise de um advogado especializado em concurso público, que saberá como apresentar o caso da forma mais convincente possível à autoridade administrativa superior.


7.2. Análise do edital e a possibilidade de complementação de documentos


Uma análise minuciosa do edital por um profissional experiente pode revelar caminhos inesperados para a reversão da eliminação. Muitas vezes, o próprio regulamento do concurso público contém dispositivos que podem ser usados a favor do candidato. Por exemplo, alguns editais preveem explicitamente a possibilidade de a banca solicitar exames complementares ou de o candidato apresentá-los em sede de recurso para dirimir dúvidas sobre sua condição de saúde.


Se a junta médica optou pela eliminação sumária sem antes se valer dessa prerrogativa, o recurso pode argumentar que houve uma falha de procedimento. Da mesma forma, se a eliminação decorreu da ausência de algum exame, o recurso é o momento oportuno para juntá-lo e sustentar, com base nos princípios da razoabilidade e do formalismo moderado, que a falha foi sanada e que a eliminação se mostra uma penalidade desproporcional. A estratégia recursal deve ser traçada após um estudo aprofundado do edital, sendo esta uma das principais funções do advogado especialista em concurso público que assessora o candidato.


8. Ação judicial


Quando o recurso administrativo é indeferido e a via extrajudicial se esgota, o candidato injustiçado não precisa desistir. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". A ação judicial é, portanto, o caminho para submeter o ato administrativo de eliminação ao crivo da legalidade, buscando-se sua anulação e o consequente retorno do candidato às demais fases do concurso público.


8.1. Inadequação do mandado de segurança se for necessária a perícia médica


Muitos candidatos, em busca de uma solução rápida, cogitam impetrar um Mandado de Segurança (MS). Este remédio constitucional é, de fato, célere, mas possui um requisito muito estrito: a existência de "direito líquido e certo", ou seja, um direito que pode ser comprovado de plano, por meio de prova pré-constituída, sem a necessidade de produção de novas provas (dilação probatória).


Nos casos de eliminação em exames médicos, geralmente há uma controvérsia fática: a junta médica do concurso afirma que o candidato é inapto, enquanto os laudos particulares do candidato afirmam o contrário. Para resolver essa divergência, é indispensável a produção de uma terceira prova, a perícia médica judicial.


Como o Mandado de Segurança não comporta essa fase de produção de provas, ele se torna, na maioria das vezes, o meio processual inadequado, fadado ao insucesso por carência de prova pré-constituída. A escolha da ação correta é uma decisão estratégica crucial, e um advogado especialista em concurso público saberá orientar o candidato sobre a via mais segura e eficaz.


8.2. Procedimento comum


A via processual mais adequada e segura para a grande maioria dos casos de reprovação em avaliação médica é a Ação de Procedimento Comum. Diferentemente do Mandado de Segurança, esta ação permite uma ampla fase de instrução probatória, na qual o candidato pode solicitar ao juiz a produção de todas as provas necessárias para demonstrar seu direito. A principal delas, como mencionado, é a perícia judicial. Além disso, no âmbito do procedimento comum, é possível formular um pedido de tutela de urgência (liminar), para que o juiz, verificando a probabilidade do direito e o perigo de dano, determine liminarmente que o candidato prossiga nas demais etapas do concurso público (como o teste físico ou o curso de formação) enquanto o mérito da ação é discutido, evitando assim prejuízos irreparáveis.


8.3. Rito do juizado especial da fazenda pública


Para causas cujo valor não exceda 60 salários mínimos, uma alternativa ao procedimento comum é o Juizado Especial da Fazenda Pública. Este rito, regido pela Lei nº 12.153/2009, é concebido para ser mais célere, simples e informal. Nele, também é plenamente possível a realização de perícia médica judicial para dirimir a controvérsia sobre a aptidão do candidato. A escolha entre o procedimento comum e o juizado especial é estratégica e deve considerar as particularidades de cada caso, como a complexidade da matéria e a necessidade de outros tipos de prova. Um advogado especializado em concurso público poderá avaliar os prós e contras de cada rito e indicar o mais vantajoso para a situação específica do candidato.


8.4. Possibilidade de solicitar a perícia judicial


A perícia judicial é, sem dúvida, o coração do processo judicial que discute a eliminação em exames médicos. Ao deferir sua realização, o juiz nomeia um perito de sua confiança, um médico especialista na área da patologia em discussão, que atuará como seu auxiliar imparcial.


O papel do advogado do candidato é fundamental na formulação dos quesitos (perguntas técnicas) que serão respondidos pelo perito. Essas perguntas devem ser estrategicamente elaboradas para demonstrar que a condição do candidato, ainda que exista, não o incapacita para as atribuições do cargo. Quesitos essenciais incluem: "A condição diagnosticada é de natureza temporária ou permanente?", "A condição encontra-se estável ou controlada por tratamento?", "A condição impõe ao candidato alguma restrição de movimento ou esforço?", e, o mais importante: "Considerando as atribuições do cargo X, descritas no edital, a condição do periciando o impede de exercê-las com segurança e eficiência?".


O laudo pericial judicial, por ser produzido por um terceiro imparcial e equidistante das partes, possui enorme peso na formação do convencimento do magistrado e é, frequentemente, o elemento decisivo para o sucesso da demanda.


8.5. A importância de analisar a aptidão do candidato para o exercício do cargo


Toda a argumentação jurídica, seja no recurso administrativo ou na ação judicial, deve convergir para um ponto central: a análise da aptidão deve ser concreta, e não abstrata. A questão a ser respondida não é "o candidato tem uma saúde perfeita?", mas sim "o candidato possui a saúde necessária para exercer o cargo?". A jurisprudência pátria tem sido firme em rechaçar eliminações baseadas em formalismos excessivos ou em presunções de incapacidade. O que se deve aferir é a capacidade laborativa atual e real do indivíduo, e não se ater a histórico de cirurgias passadas já superadas ou a condições clínicas que não geram qualquer impacto funcional.


A eliminação de um candidato apto, com base em critérios genéricos ou desproporcionais, viola não apenas os seus direitos individuais, mas também o interesse público, que é o de selecionar os mais capacitados por meio do concurso público. Um advogado especialista em concurso público construirá toda a sua tese em torno dessa premissa, demonstrando, com base em provas técnicas, que a decisão da junta médica foi ilegal por se desviar de sua finalidade essencial: verificar a verdadeira aptidão para o cargo.


8.6. Precedentes importantes


A análise do Poder Judiciário sobre a legalidade dos atos administrativos em concursos públicos tem gerado decisões importantes que servem como farol para candidatos que se sentem injustiçados. Os tribunais têm reiteradamente afirmado que, embora a Administração Pública possua discricionariedade para estabelecer os critérios de avaliação, essa prerrogativa encontra limites nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da legalidade estrita.


Quando o ato de eliminação se mostra desmotivado, genérico ou desproporcional à realidade do candidato e às exigências do cargo, a intervenção judicial se faz necessária para restabelecer o direito. A seguir, apresentamos algumas decisões emblemáticas que ilustram o posicionamento da justiça em casos de eliminação na fase de exames médicos em concurso público.


Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Amazonas reconheceu a ilegalidade da eliminação de um candidato em razão de uma condição claramente transitória, destacando a falta de previsão no edital e a carência de motivação do ato:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. FASE DE INSPEÇÃO MÉDICA. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA INSUFICIENTE PARA VALIDAR A ELIMINAÇÃO DO AUTOR DAS DEMAIS FASES DO CONCURSO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL. FUNDAMENTAÇÃO DE EXCLUSÃO DO CANDIDATO CARENTE E GENÉRICA. PODER DISCRICIONÁRIO EXERCIDO A ESTABELECER CRITERIOS DE AVALIAÇÃO LIMITADOS NA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NECESSÁRIA EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. 1. De saída, convém rememorar ser possível a intervenção do Poder Judiciário em causas que digam respeito a concursos públicos nas hipóteses em que se observar a ocorrência de flagrante violação aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, notadamente, o princípio da legalidade. 2. Dessa forma, constata-se que o Apelante foi eliminado do certame com amparo em motivação ilegítima e inidônea, uma vez que não há no edital a previsão de situações transitórias a amparar a inaptidão, motivo pelo qual a fundamentação utilizada pela Banca Examinadora não se adequa ao vivenciado pelo Apelante. 3. De fato, o Recorrente foi eliminado do certame em razão de haver sofrido um acidente dias antes da avaliação médica, o que ensejou no uso de gesso na mão direita em razão da fratura transitória no 4.º metacarpo. Ora, da rápida leitura dos itens enumerados no edital, faz-se imperioso destacar que não há a condição do Apelante em nenhuma das alusivas alíneas, portanto, a fundamentação nos itens 3.1 e 3.2 do regimento como justificativa a excluir o candidato da próxima fase do concurso, mostra-se ilegal por não externar a realidade do Recorrente. 4. Lado outro, da análise do conjunto probatório acostado na inicial da Ação Mandamental, resta claro que a predita situação era temporária, não havia sequer indicação cirúrgica a supor possível debilidade, isto, porque, os exames médicos, quais sejam Raio X; Atestado Médico do Hospital Militar da Área de Manaus ratificando a aptidão do paciente; Laudo Médico e Documento de Informação de Saúde do Hospital de Aeronáutica de Manaus atestando plena capacidade, demonstram a recuperação do candidato antes, mesmo, da data apontada no edital à realização do Teste de Avaliação Física. 5. Nesses termos, restou evidente a análise precipitada da Junta Médica que sequer avaliou todos exames apresentados pelo candidato, os quais indicavam a transitoriedade da lesão, dessa forma, poderiam haver solicitado exames complementares conforme registra o edital, no entanto, o classificaram como inapto, como se debilitado permanente fosse. 6. É possível eduzir dos fatos que a Comissão do certame ao fundamentar sua decisão no Recurso Administrativo sequer apontou a indicação da possível situação que se enquadraria o candidato, ficando para este a interpretação dos itens, isto, porque, o item 3.2 possui oito subitens, nos quais não há em nenhum deles a condição do Apelante. Na verdade, os avaliadores prenderam-se na condição visual ao se depararem com o gesso na mão direita do candidato, pois, sequer debruçaram-se nos exames médicos e nos laudos apresentados no ato da avaliação. 7. Assim sendo, enquadrar a patologia detectada em regra editalícia genérica, sem a devida motivação, destoa dos Princípios da Legalidade, Proporcionalidade e Razoabilidade, configurando-se como ato arbitrário da Administração Pública, logo, não é razoável ou proporcional declarar a inaptidão em razão de quadro que não se mostra, no momento da aferição, de extrema gravidade e que se funda apenas na mera potencialidade. 8. Desse modo, conclui-se que sobejou demonstrado no caso em testilha o direito líquido e certo postulado pelo Apelante, devendo ser reformada a sentença que denegou a Segurança a fim de permitir que o Autor prossiga nas etapas seguintes do concurso público, realizando-se o Teste de Aptidão Física, haja vista o reconhecimento da ilegalidade na decisão da Autoridade Coatora que o excluiu do certame. 9. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.
(TJ-AM - Apelação Cível: 0471979-63.2023.8.04.0001 Manaus, Relator.: José Hamilton Saraiva dos Santos, Data de Julgamento: 15/05/2024, Câmaras Reunidas, Data de Publicação: 15/05/2024)

De modo similar, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios já decidiu que, mesmo havendo previsão da patologia no edital, a eliminação é ilegal se ficar comprovado que a condição não interfere no exercício das funções do cargo, em clara homenagem aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCRIVÃO DE POLÍCIA CIVIL. EXAME MÉDICO. PATOLOGIAS. PREVISÃO EM EDITAL. APTIDÃO E SAÚDE COMPROVADAS. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. As exigências previstas no edital devem seguir, além dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e dos contidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, a pertinência do critério em face das atribuições do cargo, cuja adequação poderá ser analisada pelo Poder Judiciário. 2. A inspeção de saúde tem como finalidade aferir a higidez física do candidato, de modo a constatar doenças, sinais ou sintomas que o impossibilitem de exercer o cargo para o qual se inscreveu. 3. A reprovação de candidato com base em doença prevista de forma genérica no edital e sem qualquer implicação prática ou comprovada no desempenho das funções de escrivão da Polícia Civil não se revela adequada e proporcional, pois não demonstra a real condição física do candidato. 4. A eliminação do candidato, que goza de boa saúde comprovada por diversos laudos médicos, em razão de patologia prevista no edital do certame que não interfere no exercício das atribuições do cargo, fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como caracteriza formalismo exacerbado, contrário à própria finalidade da etapa do concurso. 5. Apelo conhecido e provido.
(TJ-DF 0712346-47.2022.8.07.0018 1865250, Relator.: MARIA DE LOURDES ABREU, Data de Julgamento: 16/05/2024, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/06/2024)

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao analisar o caso de um candidato eliminado por conta de uma cirurgia antiga, também ponderou que a aptidão atual, comprovada por laudos médicos, deve prevalecer sobre o histórico clínico do candidato:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONCURSO PÚBLICO - CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS DA PMMG - ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO DO CERTAME - EXAMES DE SAÚDE - CIRURGIA NO JOELHO REALIZADA HÁ MAIS DE 11 ANOS - LAUDOS MÉDICOS ATESTANDO A APTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE - PRECEDENTES - RESERVA DE VAGAS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ainda que o ato administrativo seja revestido de presunção de legalidade, a eliminação do candidato do certame deve se pautar pela capacidade ou não do candidato para o exercício das funções que serão desempenhadas. Precedentes. Instruídos os autos com laudos médicos que atestam a capacidade do candidato para o exercício do cargo, não possuindo limitações para a função de soldado da polícia militar, deve ser assegurada a manutenção do interessado no certame e a respectiva reserva de vaga, não podendo ser óbice para a continuação no certame a realização de cirurgia no joelho há mais de 11 anos. Recurso parcialmente provido. V.V.: A exigência de aprovação em exame médico está fundamentada em legislação própria, além de constar do edital convocatório do concurso, com caráter eliminatório. Inexistindo no edital e na realização da avaliação médica que eliminou o candidato do certame qualquer forma de violação a preceito constitucional caracterizado como desrespeito aos institutos da recorribilidade dos atos administrativos, legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade e finalidade, a manutenção da decisão que indeferiu a tutela de urgência é medida que se impõe.
(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 3178888-97.2023.8.13.0000 1.0000.23.317887-0/001, Relator.: Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes, Data de Julgamento: 09/04/2024, 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/04/2024)

Corroborando essa linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça, em importante precedente, já havia firmado o entendimento de que a eliminação em exame médico não pode se basear em motivos abstratos e genéricos, exigindo que o laudo da banca examinadora demonstre, de forma específica, a incompatibilidade entre a patologia e as atribuições do cargo:

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME MÉDICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DE FORMA DESMOTIVADA. NÃO-CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. É incabível a eliminação de candidato considerado inapto em exame médico em concurso público por motivos de ordens abstrata e genérica, situadas no campo da probabilidade. Impõe-se que o laudo pericial discorra especificamente sobre a incompatibilidade da patologia constatada com as atribuições do cargo público pretendido. 2. Recurso ordinário provido.
(STJ - RMS: 26101 RO 2008/0005517-2, Relator.: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 10/09/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/10/2009)

9. Conclusão


A fase de exames médicos em um concurso público é uma etapa legítima e indispensável para a verificação da aptidão dos futuros servidores públicos. Todavia, sua aplicação não pode ser um cheque em branco para que a Administração Pública cometa arbitrariedades. A eliminação de um candidato deve estar rigorosamente amparada na legalidade, o que exige previsão expressa e detalhada no edital, uma decisão fundamentada que correlacione a condição de saúde com as atribuições do cargo e, acima de tudo, a observância estrita dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.


Reprovações baseadas em condições temporárias, plenamente controladas, que não geram incapacidade funcional ou que se amparam em cláusulas editalícias genéricas são ilegais e devem ser combatidas. O candidato que se depara com uma eliminação injusta na avaliação médica ou no exame médico admissional não está desamparado. Ele dispõe de mecanismos de defesa, como o recurso administrativo e a ação judicial, para fazer valer seu direito. A jornada rumo ao cargo público é longa e desafiadora, e não deve ser interrompida por um obstáculo burocrático e desarrazoado.


Em face de uma reprovação, a recomendação é clara: não desista. Procure imediatamente um advogado especialista em concurso público, um profissional que possui o conhecimento técnico para analisar o seu caso, avaliar a legalidade do ato administrativo e traçar a melhor estratégia para garantir que o seu mérito, conquistado com tanto esforço, seja devidamente reconhecido e que a sua aprovação seja, enfim, consolidada.


Fale com um advogado especialista em concurso público


Rafael Costa de Souza

Advogado especialista em concurso público

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG

OAB/MG 147.808

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Av. Getúlio Vargas, nº 1.300 - Salas 1.805/.1806, Savassi

Belo Horizonte - MG - CEP 30112-024

Rafael Costa de Souza Sociedade Individual de Advocacia

CNPJ: 35.112.984/0001-87

Inscrição na OAB/MG sob nº. 8.930

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