Erro na Avaliação Psicológica em Concurso da PMMG Leva à Anulação de Eliminação de Candidato
- Rafael Souza
- 6 de mai.
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No julgamento da Remessa Necessária nº 1.0000.22.009471-8/002, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou sentença que declarou a nulidade do ato administrativo que eliminou um candidato do concurso para Soldado da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG), regido pelo Edital DRH/CRS nº 06/2021, em virtude de sua suposta inaptidão na avaliação psicológica.
A decisão, de relatoria da Desembargadora Maria Inês Souza, representa importante precedente para o controle de legalidade das avaliações psicológicas em concursos públicos, especialmente na seara dos concursos militares, em que a exigência de equilíbrio emocional é um dos requisitos mais debatidos judicialmente.
1. Contextualização fática e jurídica do caso
O candidato havia sido considerado inapto na etapa de avaliação psicológica, sendo eliminado do certame. A Administração fundamentou a decisão com base nos resultados do Teste Palográfico, que, segundo o laudo da banca, indicaria traços de descontrole emocional incompatíveis com o cargo.
Inconformado, o candidato ajuizou ação declaratória de nulidade do ato administrativo, sustentando que a avaliação fora realizada em desconformidade com as normas técnicas da Psicologia e com o próprio edital, que exigia análise integrada de todos os instrumentos psicológicos aplicados, e não a interpretação isolada de apenas um teste.
A sentença de primeiro grau acolheu o pedido, anulando o ato administrativo e determinando a reserva de vaga no próximo concurso equivalente. O Estado de Minas Gerais interpôs apelação, arguindo a legalidade do procedimento administrativo, a observância da legislação estadual e a impossibilidade de o Poder Judiciário substituir o juízo técnico da Administração.
2. Fundamentos jurídicos da decisão judicial
Ao analisar o recurso, a relatora destacou que a exigência de avaliação psicológica encontra respaldo na Constituição Federal (art. 39, § 3º), na Lei Estadual nº 5.301/1969 (Lei de Organização da PMMG), bem como na Lei nº 14.445/2002 e no próprio Edital do concurso. De fato, a aptidão psicológica constitui requisito legítimo para o ingresso na carreira militar, especialmente pelas peculiaridades e exigências do cargo.
Contudo, conforme asseverado na decisão, a validade do exame psicológico está condicionada à estrita observância dos critérios legais, normativos e editalícios, especialmente os previstos na Resolução nº 002/2016 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que regulamenta a avaliação psicológica em concursos públicos.
Essa Resolução impõe a necessidade de:
Análise conjunta dos instrumentos aplicados;
Escolha de testes cientificamente validados e compatíveis com a profissiografia do cargo;
Fundamentação adequada das conclusões diagnósticas.
A prova pericial produzida nos autos demonstrou que a contraindicação do candidato derivou de erro interpretativo: o laudo da banca examinadora baseou-se exclusivamente em resultados do Teste Palográfico, ignorando a integração com os demais instrumentos aplicados.
3. A atuação do Judiciário diante da avaliação psicológica: limites e possibilidades
Um dos principais pontos da decisão foi a invocação da tese firmada pelo TJMG no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 1.0024.12.105255-9/002, que estabelece os limites do controle judicial sobre exames psicológicos em concursos públicos.
Segundo a tese fixada:
“O Poder Judiciário não pode anular o ato administrativo de reprovação do candidato em exame psicológico legalmente realizado com base em laudo pericial novo, produzido judicialmente; mas pode ser realizada perícia judicial limitada à reavaliação das fichas técnicas do exame oficial, a fim de detectar vícios interpretativos ou legais.”
No caso concreto, não se tratou de reexame psicológico com aplicação de novos testes, mas sim de revisão técnica das fichas do exame oficial, realizada por perito judicial habilitado, que atestou vícios técnicos relevantes, notadamente a ausência de integração dos dados e o uso de critérios interpretativos incompatíveis com os manuais técnicos do instrumento utilizado.
4. Importância da análise integrada dos testes psicológicos
A decisão também se debruça sobre a necessidade de a análise psicológica ser conduzida de maneira multifatorial e integrada, e não com base em um único elemento.
A Resolução CFP nº 002/2016, em seu art. 2º, II, exige que o psicólogo proceda à análise
conjunta dos resultados de todos os instrumentos aplicados, relacionando-os com a natureza e as exigências do cargo. Essa exigência visa garantir maior confiabilidade e isenção ao processo de avaliação, impedindo conclusões precipitadas ou parciais.
A perícia judicial constatou que o laudo da banca não apenas ignorou essa diretriz como também apresentou lacunas nos registros, ausência de avaliação qualitativa e incongruências com os manuais técnicos do Teste Palográfico, comprometendo sua validade diagnóstica.
5. Conclusão: reafirmação do controle judicial da legalidade administrativa
Diante do vício formal na realização do exame psicológico, o TJMG reconheceu a nulidade do ato administrativo de eliminação, reiterando a possibilidade de controle judicial restrito à legalidade dos procedimentos adotados, sem que isso implique substituição do mérito administrativo.
A decisão reforça a necessidade de que as avaliações psicológicas observem rigorosamente os parâmetros técnicos e legais, e que o Judiciário atue como garantidor dos direitos fundamentais dos candidatos, sobretudo os princípios da legalidade, do devido processo legal e da isonomia.
📌 Referência:
TJMG – Remessa Necessária nº 1.0000.22.009471-8/002
Relatora: Desa. Maria Inês Souza
Julgamento: 29/04/2025 | Publicação: 05/05/2025
Rafael Costa de Souza
Advogado especialista em concursos e servidores públicos
OAB/MG 147.808
Mestre em Direito Constitucional - UFMG
Professor Universitário
📚 Este artigo tem caráter meramente informativo.